sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Capítulo 9 – Anjos

  Eu corria sem parar por um segundo, por uma mata fria e escura. As árvores estavam macabras, e seus galhos pareciam que iam despencar sobre a minha cabeça a qualquer momento. Parecia que algo ou alguém corria atrás de mim, e eu, não fazia nada além de correr mais e mais.
Cheguei a uma clareira e quando me voltei para saber o que estava a minha frente, dei de cara com uma foice. Quando a toquei, uma luz branca pareceu sair de meu corpo e subir e subir. De repente, a luz começou a meio que ser “queimada” por uma luz negra. E então, invadiu meu corpo. Algo pareceu metamorfosear minhas omoplatas. Parecia fungí-las com algo mais forte e bem grande. A pele parecia se partir e eu gritei, pois a dor, era imensurável.
_Venha! – Disse uma voz forte, estendendo-me a mão.
 De repente, acordei.
 O coração batia desesperadamente, a respiração estava extremamente ritmada. O peito inflava e volta, inflava e voltava. Os olhos se abriram lentamente e começaram a se ajustar com a luz do ambiente. Levei as mãos ao rosto e vi o sangue seco que cobria a pele pálida e gélida. A dor que eu sentia era muito forte, que eu mal podia me mover. Virei de lado, e vi o sangue que agora, sujava o lençou. Meu estômago prostetava, de tanta fome que eu estava.  A tempos eu não recebia alimento e não sabia bem se iria aguentar mais tempo. Mas agora, não era só o sangue que me deixava atraida, mas um cheirinho bom de pão de queijo no ar, fez que a minha boca se enxesse de água.
_A Ana... Jade, está demorando para acordar – Ouvi Kaab, falar na cozinha. -, normalmente, ela é a primeira que levanta.
 Silêncio.
_Vou acordá-la. – Disse Kaab por último.
 Ouvi passos vindo para o quarto, e estremeci. Ouvi um: Toc-toc. E a porta começou a abrir levemente, rangindo. Nem sequer me movi, porque eu não sabia o que seria pior. Ver eu me arrastando ensanguentada, ou a cama completamente suja de sangue.
 Esperei que ele entrasse. Encontrei seu olhar e ele chamou os outros garotos. Eles vieram correndo, e ficaram envolta de minha cama. Sitael ficou encostado na porta, apenas olhando. Estava pacato com o rosto inexpressívo. De certa forma, fiquei meio magoada de ele não ter sequer se incomodado comigo.
_ Jade, o que houve? – Perguntou Davi, nervoso, pegando minha mão.
 Não respondi, estava tão zonza que nem me dei conta do que eles disseram.
Não vi, nem ouvi mais nada. O silêncio se fez presente em minha mente e então, apaguei.
                                                                                          ***
 Mexi os dedinhos, das minhas mãozinhas. Ok. Mexi os dedinhos dos pés. Ok. Abri os olhos, ô beleza. Exergava tudo e nada ao mesmo tempo. Pisquei quatro ou cinco vezes rapidamente até a visão ficar nítida. Agora sim. Ouvi um suspiro ao meu lado e virei-me.
_Boa tarde, moçinha. – Disse Fuad.
_Oi. – Sorri.
 Levantei-me delicadamente. Sem dor. Ah! Agora sim. Levantei-me da cama e fui em direção a janela. Vi a linda luz do sol que banhava meu quarto. Desde virei o que eu era, não admirava a beleza dos dias ensolarados. Como o refelxo do mar contra o céu... Era maravilhoso! Era lindo... A brisa era leve, com o sal da água do mar, que fizeram meus cabelos dançarem no ar. Eu estava de tão bom humor. Como a vida era bela...
_Está de bom humor hoje, hein. – Ele deu um risinho.
_É mesmo. – Fiz uma careta. Meu mundo cor-de-rosa pareceu desmoronar.
 Sentia-me mãe do mundo... Ih! Acabou a sensação prazerosa. Hunft! A Ananka amargurada poderia ficar alguns dias de folga. Poderia mesmo. Mas essa desgraça não fica.
 Dei uma lufada profunda e fui até o espelho. MEU DEUS! O que era aquilo refletido no espelho? Eu? A esposa do Frankstein? Morticia, é você? Não. Era eu mesma. Banhada em sangue seco, com a pele aparentemente mais viva. Ótimo. O chuveiro me aguarda para um longo e relaxante banho.
_Hm... Quer que eu seja sincero?
_Adoraria. – Respondi.
 Ele jogou uma toalha branca em minhas mãos e andou em direção a porta.
_Valeu! – Respondi em agradecimento a toalha.
_Que nada! As ordens, minha amiga. -  Ele abriu a porta, fechou-a e desapareceu.
 Amiga? Nossa. A tempos eu não ouvia me chamarem assim. Amiga... Fico contente de que ele me veja desta forma.
 Andei em direção a porta, abri-a e saí. Andei pela casa de madeira e fui até a janela da cozinha, quase ao lado da porta. Os meninos se divertiam na água dos mar, correndo, se jogando na água, jogando bola... Parecia um dia tão feliz. Quando olhei para a varanda, bem a minha frente, Sitael estava deitado, olhando o céu que a pouco eu admirava. Ele olhou para mim e levou um susto e levantou-se em um pulo. Ele me analisou por alguns segundos. Mas antes que pudesse dizer alguma coisa, virei-me e fui até o banheiro.
 Entrei e fechei a porta. Liguei o chuveiro e comecei a despir-me.  Vi uma marca delicada no pescoço, em forma de um lobo. Apertei os olhos, e realmente, era um lobo. Meus olhos não estavam mais castanhos-dorurados e sim verdes-azulados. Isso de certa forma, me deixou um pouco assustada. Mas, depois daquela noite, pouca coisa me assustaria.
 Uma parte de mim, estava extremamente recentida com Sitael. Fiquei chateada por ele ter me visto naquele estado e fingido que não era nada.
 Entrei debaixo do chuveiro, deixando que a água lavasse meu corpo magro. Comecei a deixar que as lágrimas fossem levadas junto com a água, assim, acho que aliviaria e muito minha dor.
                                                                               ***
_Onde você vai? – Perguntou Sitael, segurando meu braço.
_Interessa? – Contestei.
_Interessa. – Afirmou ele.
_Se interessasse, teria se importado com o meu estado a dois dias atrás. – Resmunguei. – Deixe-me em paz.
 Peguei minha bolsa e saí. 
 Caminhei, caminhei e caminhei, até enxergar um ponto de ônibus. Andei até ele, paguei a passagem e entrei. Sentei-me, e o homem ao meu lado ficou me olhando. Quando o ônibus entrou em movimento, ele colocou uma faca em meu pescoço.
_Passe a grana, moçinha. – Disse ele. – Senão, vai se machucar.
_A probabilidade maior, e de você sair... Morto. – Apenas o olhei torto.
 Quando ele foi cravar a faca em meu peito, segurei sua mão, como se fosse uma peninha, tirei a faca de sua mão e joguei-a para fora da janela. Ele pegou uma arma, de dentro de sua calça (ai, que cara nojento), e eu com um simples movimento, quebrei seu pescoço. Seu corpo caiu, mas todos estavam tão entretidos e eu tão escondida que só um garotinho percebeu. O corpo do “ladrão” ficou encostado contra a janela, como se ele estivesse dormindo.
 O menininho me olhou muito assustado. Fiz o sinal de “Shhh”, e dei uma piscadela. Então ele se abraçou com sua mãe.
 O ônibus parou em um ponto e eu desci. Fui até a estação de metrô, comprei o bilhete e entrei tranquilamente. Esperei o metrô e percebi que um garoto louro me olhava. Ele estava vestido totalmente de preto. Sapatos pretos, sobre-tudo preto... Enfim, todo de preto. O metrô chegou e eu entrei. Ele entrou na mesma hora e com os mesmos movimentos que eu. Sentei-me no lugar mais escondido possível e ele sentou-se atrás de mim. Um cheiro de fumaça invadiu meu nariz e não vinha da estação e sim do “garoto”.
 Aquilo não era um bom sinal. Tentei me distrair mas não parecia ser uma boa ideia.
_Como vai “Death”? – Sussurrou o garoto louro no meu ouvido.
 Virei-me para trás e ele já não estava mais lá. Droga! Tudo que eu não precisava, era um anjo negro no meu pé. Hunft! E agora? O que eu faria. Primeiro que, o carinha podia ser mais forte que eu. Segundo, que qualquer bobeada minha, poderia me levar dessa para pior. Mas porque ele me chamara de morte. Death, que todos sabem que é morte em inglês. Sinceramente, não entendi.
 Death. Death. Death. Death. Isso não saía da minha cabeça o caminho todo. E martelava, martelava sem parar.
“Plim!” Finalmente a minha parada. Desci do metro e fui até a escada rolante. Subi tranquilamente, olhando para cima, onde tinham desenhos da arte urbana.  Eram muito coloridos e cheios de vida. Era uma mistura de felicidade, simplicidade, essência e crítica. Eu adorava este tipo de coisa. Pena que no meu tempo não tinham essas coisas.  Dirige-me até a entrada/saída e fui para a rua. Ok. Primeira parada: Biblioteca púplica.
 Coloquei o capuz, coloquei o MP4 nos ouvidos, na música do Pantera. A música se chamava: “Callboys is from hell”.
                                                                                 ***
 Andei três quadras, tranquilamente. Cheguei a estação de metrô e comprei o bilhete.
_Obrigada. – Agradeci a moça que me vendeu o bilhete.
 Ajeitei a bolsa no meu braço esquerdo e saí. Andei até lá, e esperei. Olhei dos lados, procurando aquele demônio, mas (graças ao bom Deus) nem sinal dele.
_Death... – Ouvi um sussurro me chamar.
 Assustei-me, olhei para todos os lados e nada. Estou ficando louca?
_Death... Death... – Ouvi mais vezes, e ignorei.
 Senti um calafrio subir pela espinha, e ele era incomodo e muito frio. Virei-me para trás e nada. Havia muitas pessoas na estação e elas sequer perceberam que eu estava atônita daquela forma. De certa forma, fiquei grata por isso. Mas, ainda sim, ninguém poderia me ajudar.
 Senti aquela rajada de vento vir do tubo. Amém, o metrô chegou. Entrei, sentei e fiquei quieta.  Tão quieta, mas tão quieta... Que dormi.
_Logo... Death... Logo... Graça... Virá... – Dizia uma voz em meu sonho. – Sitael... anjo... você... selo... chave...
 Puf! Acordei. Chacoalhei a cabeça e pisquei. Ótimo. Tudo estava normal. Amém!
 Saí do metrô e não andei muito, até que senti uma mão segurar meu braço. Virei-me por instinto e um garoto loiro de olhos azuis me fitava com um olhar suplicante.
_Jade. – Ele me puxou por alguns metros, até um canto, onde não éramos vistos.
 Ele tirou uma coisa do bolso, era como um pedaço de folha amassada.
_Entregue ao Sitael. – Sempre que eu tentava olhar seus olhos, ele desviava. – Pare de tentar olhar nos meus olhos, Jade.
_Quem é você?; Como sabe meu nome?; Como sabe que Sitael caiu? – Eu segurei seu queixo e olhei dentro de seus olhos, mais afundo do que eu costumava fazer e mais do que eu esperava.
 As pupilas dele pareceram dilatar-se.  Inúmeras imagens vieram a minha cabeça, como flashes, e aquilo pareceu ser uma punhalada no peito.
 Vi a minha imagem, com aquele manto negro, segurando uma foice, igual a do meu sonho, com a mão direita estendida sob um tipo de pergaminho. Logo em seguida, vi-me caindo dos céus, com asas negras sendo dilaceradas. Vi-me fitando algum homem, cuja imagem era macabra. Vi-me montando um cavalo negro e com ele, eu parecia descer os céus, chegar as terras. Vi o olhar apavorado de uma menina, ao me ver. E depois de eu deslizar minha mão sob seus rosto, ela estar ao meu lado, sorrindo. Vi Sitael, com suas majestosas asas acolhendo a menina.
_A-A-Ari-Ariel. – Eu disse, com a voz falhando.
                                                                                  ***
Flap. Flap-flap. Flap-flap-flap. Eu ouvia asas batendo. Um segundinho só? Asas?!
 Levantei em um pulo, e aquela luz, quase me cegou.
_Mátev. – Disse o anjo, me estendendo a mão.
  Mátev... Mátev. Epa! Isso traduzindo do hebraico, significa morte. Chamaram-me de Death, agora de Mátev. Eu olhei nos olhos, verdes flamejantes do anjo e um nome veio a minha cabeça.
_Gabriel. – O jeito como eu falei, pareceu um cantar.
 Gabriel, o anjo mensageiro dos céus. Que anunciou que Maria ficaria grávida e blá-blá-blá.
 Mas como? Porque? Porque eles estavam me chamando de morte? Tudo bem, que desde que virei essa coisa meio misturada, eu era uma buscadora da morte, porque eu matava pessoas, mas a morte, Senhora Morte, Dona morte, seja lá como for, merecia um pouco mais de respeito.
 Isso que eu nem falo hebraico.