quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Capítulo 10 – Outro anjo caído

Aquele realmente era o anjo Gabriel? Bom, para ter emanado luz daquela maneira, a resposta deveria ser óbvia. Mas... E Ariel? Como eu sabia que era ele, sem tê-lo conhecido?! E porque todos me chamavam de morte? Ainda acho que a morte merecia mais respeito. E afinal, e o plano da espada dos tremeres, parecia ter descido pelo ralo depois que os meninos-lobos apareceram. E que diabos deu-se a graça de Sitael?! Meus Deus. Essas perguntas gritavam e rugiam dentro de mim, mas, onde estavam suas respostas? Eu queria respostas. Isso era loucura, não era? Ou... Não? Droga! Será que eu poderia ficar pelo menos cinco minutos sem pensar?! Um segundinho que fosse? PORRA!
 Sem nem sequer abrir os olhos, pousei a mão sob o criado-mudo e peguei o bilhete que o tal “Anjo Ariel” queria que eu entregasse a Sitael. Abri os olhos, e uma luz incomodou um pouco meus olhos, mas esse incomodo era normal. Opa... Erro meu. Aquela luz não era normal. Nenhum pouco normal.
 Levantei-me em um pulo e corri até a janela. Abri-a. A luz era muito forte, que trouxe consigo uma rajada de vento, que me levou ao chão.  Voei no chão e fiquei imóvel. O céu desabou em gotas e mais gotas de água. Pulei pela janela, e corri, tentando seguir a linha onde o astro, meteoro... Sei lá o que, que mais parecia um comêta brilhante, poderia cair.  Por mais veloz que eu fosse, não era a velocidade que eu queria.
 “Eu quero voltar a ser um lobo.” – Pensei, fechando os olhos.
 O meu corpo parecia produzir uma fumaça branca e quando dei por mim, já estava correndo sob quatro patas. Ouvi vários passos atrás de mim, virei a cabeça instintivamente, e o céu pareceu mesmo que ia desabar.
_Ih... Algo deu errado para o cara lá de cima. Se fodeu otário! – Pensei.
 Os meninos me seguiam, e eu me senti mais segura e apoiada. O maior deles, era Davi, e Sitael, estava segurando-se nele. Chegamos a uma clareira. Ela era linda, principalmente agora, que estava banhada em luz prateada. Havia uma pequena nascente ali, cheia de pedras, onde se podia pular de uma borda do lago, para a outra. Dentro da água, uma luz intensa, ia perdendo seu brilho. Quem sabe fosse só um comêta, porque estava um cheiro desgraçado de queimado no ar.
 Olhei melhor, e não, não era um comêta, nem uma pedra... Era, sei lá... Uma pessoa?! Talvez. Pois tinha o formato do corpo humano, então...
 Uma fumacinha branca começou a sair de meu corpo, como o evaporar de almas e quando vi, eu estava com o mesmo vestido preto e a mesma fita de seda no cabelo. Coloquei um pé na água... ÔÔ águinha gelada, do caramba. Entrei na água e então mergulhei água a dentro.
 Peguei a mão de um menino, e na exata hora em que ele encontrou meu olhar, uma luz se criou em nossas mão e consumiu nossos corpos e eu fui atirada a um metro e vinte, longe do menino. Peguei sua mão novamente e o trouxe para fora da água. Respirei fundo, recuperando o fôlego. Kaab e Fuad me ajudaram a sair da água, e então me ajoelhei e inclinei meu corpo, para ver melhor o menino. Ele estava imundo de sangue diluído na água, e da terra que água que agora o enlaçava. O menino estava desmaiado. Ele tinha cabelos louros e a pele bem branquinha e suave. Seus olhos, pelo pouco que vi, era azuis como a água. Seus lábios eram bem carnudos, daquele do tipo que qualquer garota mataria para ter lábios como aqueles. O garoto desmaiou, então, peguei-o no colo. Senti algo quente, escorrer pelo meu braço, uma gota fina e suave. O cheiro tão doce... Sangue! Coloquei-o nos braços de Sitael e tentei correr. Senti uma força maior se apoderar de meu corpo. A Besta.
  As presas ficaram mais saltadas e então, voltei-me para os meninos. Grunhi e então, não era mais eu. Era a Ananka Besta. Vamos deixar tudo em panos limpos. Há dois tipo de criaturas nos vampiros (se bem que eu não era mais uma vampira, eu acho), há nós (obviamente) e a Besta (que a nossa parte demoníaca).  Sitael correu e então eu corri atrás dele, por sorte, Kaab (já em forma de lobo) bateu em mim, arremessando-me para uma árvore. Eu queria deter a Besta, mas não conseguia. Ela estava no controle de meu corpo agora. Subi na árvore e me joguei, como se fosse planar. Toquei os pés no chão e então corri, para pegar Sitael e o garoto.
 Eu queria aquele sangue, mas jamais poderia bebê-lo. Agora, eu não me controlava mais (tentava, mas não era mais eu).
_Pare, Jade. – Gritou Kaab, mentalmente.
_Não... Consigo... – Gritei, debatendo-me por dentro.
 Meu corpo, sob o controle da besta corria,  a uns 20 metros de distância Kaab veio para cima de mim pulando, e então me esquivei, escorregando por baixo. Deslizei e continuei a correr. Fuad foi por baixo e então, como um truque de balé russo místico, eu pulei girando no ar. Como uma ginga brasileira, driblei Hassan e pulei por cima de Dib. Quando meus dedos finalmente resbalei os dedos nas costas de Sitael, senti uma dor subir pelo meu braço e se espalhar pelo meu corpo. YES! Prendi a besta. Rá, consegui! Gritei, por a dor era muito forte.
_Solte-me, Davi. – Choraminguei. – Sou eu novamente.
 Ele me soltou rapidamente sem pestanejar. As presas nunca ficavam totalmente escondidas, mas metade entrava. Mandei elas ficarem do tamanho “normal”. Olhei o braço e comecei a chorar de dor. Kaab, me ajudou a levantar e então subi nas costas de Davi, que ainda estava como lobo. Começamos a andar, e eu fiquei muito sucetível.
 Comecei a acariciar Davi e enlaçar delicadamente os fios cinzas e brancos do pêlo de Davi.
_Desculpe. – Sussurrei a ele. – Sabe... Eu tenho uma Besta e quando ela se liberta, eu fico daquele jeito. Às vezes... Pior. Você me perdoa?!
 Ele fez um grunhidinho, que parecia um sim.
_Obrigado. – Sussurrei.
 O sangue escorria pelo meu braço. Minha visão começou a ficar turva e então Davi grunhiu, falando mentalmente aos outros, algo que não entendi. Então ele disparou a correr, eu sequer me segurei, meu corpo estava debruçado sob as costas de Davi, enquanto ele corria. Chegamos a reserva e então ele uivou. Não seu porque fui receptiva ao uivo e uivei novamente.
                                                                                  ***
 Acordei, com uma dor infernal no meu corpo e vi que meu braço estava enfaixado. Nossa, mas Davi era muito teimoso, por Deus que sei lá se está no céu. Esse moleque era teimoso ao extremo. Ok... Eu não podia reclamar, por que eu era mil vezes mais teimosa. Levantei e suavemente fui até a cozinha. A molecada havia levantado com o pé direito hoje. Sitael, veio tão rápido até mim, que pareceu que veio voando. Davi me olhou e eu sorri, como quem diz “oi”. 
 Eu dei bom dia e todos me responderam. Weee! Acho que eles não estavam bravos comigo. Kaab pegou o MP8 dele e conectou em um aparelho de som, com amplificador. Ajeitou o volume. E colocou a música: Help! Do The Beatles. Eu sempre amei aquela música, e comecei a cantá-la quase gritando, para parecer uma retardada. Alguns riram e Kaab me chamou de babaca e eu só sabia rir.
_Nossa! Gosta de Beatles, hein, Aninha. – Disse Fuad.
_Isso é do meu tempo. Eu tinha só 35 anos, quando os Beatles apareceram. – Respondi.
 Davi e Fuad se entreolharam e me avaliaram.
_Qual é?! Não me olhem com essas caras. Até parece que vocês não sabiam que eu tenho 100 aninhos na cara. – Disse eu.
  Ouvi gemidos no outro quarto, levantei-me em um pulo e corri até lá.
 Eu e Sitael entramos rapidamente no quarto, e então, quando estávamos lá dentro... BAM! A porta se fechou e ficamos apenas nos três lá. O garoto estava banhado em luz, e uma luz que cegava. Eu mal conseguia enxergar o que estava a 40 cm de distância de mim. Coloquei a mão na frente, mas não deu. Uma explosão. BUM! Eu e Sitael fomos arremessados contra a parede. Algo pressionava meu peito e não me deixava respirar. Sim, meu pulmão ainda funcionava. Senti uma dor bem no meio do meu peito, mas uma dor muito forte. Rugi. Vi que a camiseta estava se dilacerando, com vários pedaços de pele. Bem de onde vinha a dor. Comecei a gritar. Aquilo era muito doloroso. Um tipo de fogo queimava a pele, de onde ela se dilacerava, criando uma marca. Uma marca que ainda não tinha forma definida. Não escorria sangue, apenas pegava fogo.
 VRUM! Imagens vieram na minha cabeça.
_Mamãe, mamãe. Quem é a moça bonita que está de preto? – Apontou uma menininha para mim.
_Que moça, filha? – A mãe procurava. – Onde?
_Ali. – Ela apontou de novo.
 Eu andava em passos suaves como uma pena, e percebia que os olhos da bela menina brilhavam ao ver minha imagem. Mas eu sabia que já era chegada hora dela sair deste mundinho sujo.
 Entraram ladrões na casa dela, e ela começou a gritar. Deram um tiro na mãe dela e um tiro na cabeça, da pequena menina. Passados alguns minutos, ela saiu de seu corpo. Peguei sua mão e fomos embora.
 A mãe da jovenzinha sobreviveu. Mas morreu a algum tempo, acho eu...
 Mas o que eu estava fazendo?!
 Outra imagem veio. Senti como se algo fosse arrancado de mim, e uma queda, que parecia interminável. Vi o rosto de vários anjos, mas não tive tempo de chamar por algum deles. Uma pressão que parecia estourar meus ossos, que nem eram feitos de cálcio e sim de uma anti-matéria. A anti-matéria que criou a matéria.
 Tudo que para mim parecia pleno, se esvaiu em por minhas mãos em milésimos de segundos.  Era inexplicável, mas agora, eu não sabia tão bem o que eu era. As palavras fugiam de mim e eu sabia que não adiantava correr atrás delas.
 Vi-me terminando a queda e cara... Aquilo foi doloroso ao extremo. Poft! A dor era imensurável. Eu mal conseguia me mover e eu estava encharcada de sangue, semi-nua, com frio, com medo... Com desejo de morte.
 Cheguei perto de uma cabana, e percebi que uma jovem moça, pobre, estava grávida. Era essa minha chance? O óvulo acabara de ser fecundado. O corpo que se faria, poderia ser meu, pois ele era objeto de morte. Era um pequeno Nefilin que ali crescia. Não era nada ainda, apenas uma coisa que o anjo caído colocou na moça e que fecundara seu óvulo. Uma jovem e pobre bruxa, junto com um anjo caído. Lamento, mas eu, faria de um corpo feito de matéria, uma obra-prima feita a minha semelhança e do corpo que flutuaria por nove meses, o meu templo. O templo de algo que sempre fora chamado de morte.
 Quando uma imagem se apagava, outra chegava.
Uma luz se fez quando eu entrei na moça. 9 meses flutuando em silêncio, alguns chutes... Uma luz linda e prateada se criou e então, uma marca estranha se fez na árvore que ficava na frente da casa. Uma explosão de brilho se fez e ela simplesmente despertou de seu leve sono. E assim, nove meses se passaram e algo vibrava ali naquela árvore. A jovem bruxa, curiosa e receosa, insistia em tentar descobrir, mas o receio lhe gritava mais alto.
 Ela passava horas ali, tentando ver da maneira como eu me desenvolvia... Ela ficava fascinada, mas nunca quis que o marido se aproximasse novamente. Sábia decisão.
 As imagens cessaram, mas meu nervosismo não.
 O que eu era afinal? Um anjo (nem se Deus der um pulinho na terra)? Um demônio (certa resposta)? Alguma ameba fora do comum (fato)?
 Ok. Ok.  Eu era apenas algo que não era desse mundinho. Isso é fato. Mas o que na verdade eu era?
 O fogo que saia de dentro para fora, parou de arder em minha pele. Meu coração ardia dentro de meu peito, como se quisesse fugir, mas estava preso. Olhei para o peito, e a marca estava praticamente selada em mim. Estava entre a saboneteira e os seios. (Para você, jovem do século 21, saboneteira é aquele osso que fica no termino do pescoço. Na reta dos ombros.)
 Sitael se aproximou e me ajudou a levantar. Olhei fixamente dentro de seus olhos e ele baixou a cabeça, em um tom de: “Desculpe”. Olhei-o e dei um tapa em sua cara que o fez perder o equilíbrio e quase cair no chão. Minha mão ficou formigando... Ele gemeu e ficou me olhando.
_Eu te ajudo, e é assim que você me agradece. – Disse eu, com um tom de nojo em minha voz. – Sempre soube que não podia confiar em anjos. Eu te defendi, te protegi e estou condenada pela camarilla por você e é assim mesmo. A anormal aqui, só te serviu como um objeto de proteção. Agora, você não tem mais este objeto.
 Saí andando, mas ouvi ele dizendo espere. Não hesitei e fui embora do quarto.
 Fui até meu quarto e juntei todas as minhas coisas – que eram pouquíssimas- e coloquei-as na mochila. Antes de sair pela porta, Kaab chegou correndo até mim.
_Não vá embora! – Suplicou ele.
_Tenho que ir. – Dei um beijo em sua testa. – Não se esqueça nunca, nunca mesmo, que eu te amo, viu, baixinho.
 Ele sorriu e me deu um forte abraço, senti uma lágrima fugir. Aquele aperto no peito, que eu já conhecia a tempos... Dor. Oh! Maldita dor. Quem foi o maldito que te inventara. Maldito sejas teu poder.
 Desci as escadas e encarei o caminho que eu iria percorrer.

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