quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Capítulos 3 – Tremere (Para minha amiga mais curiosa: Maria Eduarda)

 Depois daquela briga, fizemos as pazes e por fim ficamos kits.  Os meus dons, desde que fui ao mundo intermediário, começaram a se revelar. Minha leitura de mente melhorou muito. As vozes ficavam mais nítidas. Eu podia projetar imagens na mente das pessoas, ver auras e mover as coisas somente com o poder da minha mente. Sitael me ajudou, e muito na descoberta deles, e ele me ajudou a treinar. E eu, o ajudava a na tentativa de encontrar focos de possessões e possíveis Nefilins.
 Nunca fui muito sanguinária, e nem me deixava levar pelos prazeres sexuais oferecidos naquela época. Tanto é que morri virgem e continuo virgem.
 Os Nefilins eram famosos por serem piores que os demônios. Eram sanguinários e muito fortes. Eles não conheciam o amor, apenas o ódio. E algumas vezes, tinham seus corpos invadidos por anjos caídos. E isso os deixava mais revoltados. Não sentiam culpa de matar, estuprar ou qualquer coisa que consideramos repugnantes.
 Eu era uma Nefilim totalmente diferente. Sentia culpa de matar ou fazer algo parecido. Afastava-me para não fazer mal a ninguém e meu coração se sentia bem ao ajudar. Meu perfume exala o doce aroma da morte, e meus lábios, venenos doces e prazerosos. Mas eu amava o último fio da minha natureza humana. Isso é o que me tornava diferente. Hipoteticamente falando, eu ainda tinha um coração.
                                                ***
 Não conseguia dormir de jeito nenhum. Virava para um lado, virava para o outro. A cada segundo, eu sentia um cheiro doce se aproximar. Parecia cheiro de incenso de pó de estrela. A única vez que senti aquele cheiro, foi quando o veneno Toreador, começava a correr nas minhas veias.  A última coisa que eu ouvi, foi que eu seria o presente do príncipe do clã Tremere. Até que uma menininha, que aparentava ter nove anos, me ajudou a escapar e a me virar. Seu nome era Zarah.
 Há muitos anos eu não a via.
 As sombras do meu passado vieram me assombrar.
                                                   ***
 Em 1925, eu passava perto de um beco, enquanto dois idiotas mais ou menos da minha idade brigavam.  Eu olhei assustada, e então saí correndo.
 Eles correram atrás de mim e me encherão de bordoadas. Dizendo que eu poderia contar para alguém. Eles estavam fedendo a maconha ou qualquer tipo de droga. Quando foram embora, eu mal podia me mover, via o sangue escorrendo, quando um bando de pessoas rápidas demais, aparecerão.
 Um deles, extremamente belo, me recolheu do chão. O sangue escorreu pela minha boca. Ele passou aquelas mãos frias em meu rosto. Estremeci.
_Tão linda... – Disse ele, me olhando. – Tão jovem...
 Ele se aproximou de mim, como se estivesse me cheirando – e acredite, ele estava.
_Você quer uma vida?! Uma vida de prazeres, onde a morte e a doença jamais se aproximaram de você. – Sussurrou ele. –Mas a pergunta é você viria comigo?!
_Sim. – Respondi com o sangue já trancando minha garganta.
_Isso irá doer um pouco, minha querida. – Disse ele.
 Sem vacilar, cravou os caninos em meu pescoço. Senti meu sangue ser arrancado de meu corpo. Então vi que ele cortou o pulso e encaixou em minha boca. O sangue dele era gostoso. Algo saboroso, mais gostoso que chocolate. E me deixava forte.
 Eu não conseguia parar, até que ele tirou com toda força seu pulso de meus lábios. E então dor. Meu coração parava de funcionar, e como se cada célula de meu corpo se tornasse um espinho. Tudo se apagou e em alguns segundo, meus ossos ficassem mais fortes, meu cérebro trabalhasse melhor... Mas minha garganta, estava seca. Totalmente seca.
 Eles me entregaram uma mulher desacordada e drogada. Alimentei-me dela, e o seu sangue, corriam na minha veia mais doce que a vida.
 Depois, adormeci. Quando acordei, estava com os pulsos acorrentados, sendo levada para algum lugar. Então ouvi a mente de um deles. Ele dizia quem eu seria a oferta de paz aos Tremere, e aí foi que Zarah me salvou.
 Levou-me para um lar de crianças abandonadas, até eu me virar sozinha.
 E hoje sou o que sou.
 Zarah me ensinou como o veneno funcionava, como atacar, porque não beber o sangue quando o coração parava.
 Agora, eu estava sozinha. A não ser Sitael, que em pouco tempo, tornou-se meu porto seguro. Um grande amigo. Ele me ajudava e eu o ajudava. Era uma troca. Nada por obrigação, não mais, agora era por pura amizade. Ou até algo mais.
 Alguém bateu em minha porta.
_Ana... – Disse Sitael. – Posso entrar?!
_Pode. – Disse bem baixo.
 Ele entrou e se sentou ao pé da minha cama.
_Por que está pensando tanto em seu passado?! – Perguntou ele.
_Eu nasci do clã Toreador, e então, desde que parei de dançar, cantar, desenhar e tudo mais, minha única virtude é pensar. – Respondi de cabeça baixa. – Eu não tenho a fraqueza deles, mas eu vivo a imaginar como seria bom ficar no clã dos Toreadores. Eles são como eu. Amam sua parte humana. Pois é o que os mantém de certa forma, coisas boas.
_Entendo. – Respondeu ele. – Sente falta de ser “humana”.
_Sim. – Respondi. – Eu acho que eu era feliz. Eu queria, sei lá, envelhecer, casar, ter filhos, netos, e morrer definitivamente. Mas ao contrário, aquele vampiro, de certa forma me salvou.
_Acho que quando nos conhecemos, te julguei, sem conhecer como você realmente é. – Disse ele. – Os anjos vingadores, como eu, diziam que os seres das trevas, todos, eram infiéis, indóceis e cruéis. Achei que você fosse assim, mas me enganei.
_Sitael... Você nunca me contou direito por que você caiu, como era o céu... – Disse eu. – Conte-me.
_Ok. Eu era um Serafin. A primeira ordem dos anjos. Éramos criados, para amar e sermos fiéis somente a Deus e a mais ninguém. – Ele se levantou e começou a andar pelo meu quarto. – Até que um dia, quis ver o mundo, além de meu protegido, quis ver como era.  Comecei a voar e a olhar o que as pessoas faziam. Até que vi uma menina, de quinze anos, aparentemente. Assim que há vi, percebi que era um Nefilim. E a ordem para todos os anjos era a mesma: “Assim que encontrar um Nefilim mate-o.”
“Ela era tão jovem, tão cheia de vida... Mas não era como os outros. Não tinha aura negra, e sim dourada. Raríssima de achar. Ela adorava ajudar. Aqueles cabelos negros como o véu da noite. Olhinhos castanhos que brilhavam o tempo todo. Pele branquinha, com as bochechas rosadas.”
“Éramos proibidos de sentir qualquer emoção humana. Mas ali, naquela hora, eu senti algo muito humano. O amor. Tão doce, tão bom, tão encantador.
 Assim que voltei para o céu, os anjos vingadores arrancaram minhas asas, e disseram que eu só as teria de volta se matasse dois Nefilins. Então, quando caí, resolvi ir para todos os colégios possíveis, para encontrar algum Nefilim, até... Não desejar ver sangue.”
_Nossa... Mas o que aconteceu com a garota?! – Perguntei. Eu tinha mais ou menos a aparência dela. Mas não era comigo. – Ela ainda está viva?!
_De certa forma. – Respondeu ele.  – Vamos parar por aqui. Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente.
_Gosta tanto assim de William Shakespeare? – Perguntei, deixando aparecer um sorriso.
_Sim. – Respondeu. – Ele me ensinou a sentir e a pensar.
                                                ***
 No meio da madrugada, umas duas horas depois que Sitael foi dormir, o cheiro doce se tornou conhecido. Zarah.
 Em menos de um minuto, minha janela se abriu e ela estava de pé, bem ali.
_Zarah! – Levantei e corri até ela, e ela me abraçou. – Há quantos anos, minha amiga.
_Ana, precisa ir embora. Logo. – Disse ela, com aquela voz doce de menininha que ela tinha.  – Vá e leve seu amigo, para bem longe. Agora.
_Por quê?! – Perguntei confusa, segurando seus ombros.
_Os Tremere. Lembrem-se, eles se comparam aos satanistas. – Respondeu ela, com a aflição entregue em seus olhos.
_O que eles querem?! – Perguntei.
_Corra! – Disse ela. – Eles vão chegar aqui em cinco minutos, ou menos. Eles querem seu amigo.
 Peguei meu casaco e coloquei minha calça e saí correndo até o quarto de Sitael. Tirei-o da cama e saímos correndo, só conseguimos ir até a escada.
_Tarde demais! – Eu e Zarah dissemos juntas.
 Eu e ela nos entreolhamos e decidimos ir para fora, já que não queríamos destruir o abrigo.  Eu e Zarah pulamos a janela, enquanto Sitael saia pelos fundos.
 Vimos três homens, que só de ver sua imagem, eu estremeci. Eu os vi, quando havia completado trinta anos. Eles eram: Os líderes dos Tremere.  Andamos até ele. A chuva havia deixado a calçada escorregadia e a lama do jardim, afundava debaixo de nossos pés, assim que encontravam o peso de nossos corpos.  Sitael ficou atrás de mim, provavelmente deve ter lido minha mente.
 Os três se posicionaram estrategicamente há nossa frente. Aquele silêncio perturbador durou por um minuto. O que nos dava tempo suficiente para estudar o oponente.
_Zarah... Traindo a Camarilla de novo? – Disse um deles, sorrindo falsamente.
_Acho melhor segurar a língua, meu querido Erikiel. – Disse Zarah. – Desculpe lembrar, que eu e minha amiga Ananka, somos Caines e eu sou Ante-diluviana . Então, creio que seja melhor você ir embora.
_Acho que não temos medo de Caines. – Um deles já desejou pular em cima de nós. Avançou dois passos até que Erikiel colocou o braço a sua frente.
_Louis. – Disse Erikiel, barrando a atitude do tal Louis. – Não sejamos precipitados. Só temos esses avatares.
_O que vocês querem?! – Perguntei, com o máximo de raiva possível.
_Seu amigo anjo. – Disse Erikiel, estendendo a mão. – Os anciãos nos mandaram levá-lo e dar um fim digno de um Sabbat. Um fim, relativamente indolor. Irá entregá-lo, pacificamente?!
_Lamento, mas a resposta que esperam não virá. – Respondi. Levantei a cabeça e cruzei os braços.
 Na linguagem corporal, isso iria significar: Cabeça levantada: Sou superior a você. Braços cruzados: Protejo-me, não quero ser atingida.
_Então, partiremos para o plano “B”. – Disse um deles para Erikiel.
 Louis e o outro vieram para cima de mim. Usei meus novos poderes. Pulei o mais alto que pude, estendi a mão aberta e gritei: “Escudo”.
 Os dois foram atirados a alguns sete metros de distância. O que me dava vantagens de uns cinco segundos.  Sitael correu até uma árvore e começou a rezar. Preparei-me para ser atingida ou de até mesmo, perder meu braço. Mas se isso protegeria Sitael, estava tudo bem. Louis veio em um salto para cima de mim, assim como eu previ. Com meu braço, rebati-o fazendo ir de costas, ao encontro de uma árvore. Três minutos de vantagem. O outro veio correndo, abaixado, para pegar mais velocidade. Eu dei um murro na papada dele e ele voou em na direção em que estava. Mais três minutos. Zarah estava se dando bem... Então, esperei o ataque na defensiva.
_Por que uma vampira tão sexy como você, está protegendo um anjo celestial?! – Perguntou ele, balançando a cabeça negativamente. – Mas você não é a única que tem poderes.
 Uma luz roxa saiu de sua mão, quase me acertando. Girei meu corpo, no eixo de 360º. E o feitiço, resvalou na minha costela. Rasgando apenas minha blusa.
_Que feio! – Disse eu, balançando a cabeça com indiferença. – Minha blusa favorita.
 Criei a imagem de que o chão se partia e várias luzes invadiam seu campo de visão.  Ele se contorcia.
_Pietro... – Disse Louis, estendendo a mão. – É só uma ilusão.
_Ainda não morreu?! – Disse eu, a Louis.
 Andei até ele, levantei-o e com meus poderes, comecei a quebrar seus ossos. Ele usou um dom, que fazia os ossos de seu oponente pegaram fogo. Senti a brasa tomando conta de mim. Gritei.
 Ele segurou seu braço ferido, e mancava.
_A dor lhe é agradável?! – Disse ele rindo.
_Não será a você também. – Disse eu, lançando-lhe um olhar sombrio.
 Pulei contra ele, derrubei-o no chão, subi por cima de seu corpo e mordi seu pescoço. Sangue. Aquele saboroso sangue vampiresco com sabor de chocolate. Não pude evitar e bebi seu sangue até que o outro vampiro me chutou para o lado, defendendo o amigo.
_Você matou meu irmão. – Gritou ele, ao lado do corpo que já se transformava em pó.
 Revoltado veio para cima de mim. Com toda sua força me defendi. Ele tentou morder meu pescoço. Defendi-me, empurrando-o a uns três metros. Vi que Zarah conseguiu dar um fim em Erikiel.
 O vampiro veio para cima de mim e então mordi seu pescoço. A não... Não consegui parar. Aquele sabor de chocolate encheu minha boca e desceu doce pela minha garganta. Mas doce que o próprio veneno que habitava em minha boca.
 Zarah me puxou, fazendo que meus lábios parassem, e que a Besta saísse do controle. Dei-me conta do que tinha feito. Cai sentada. Sitael estava logo ao lado de Zarah.
_Por que... Por que você fez isso? – Não sabia como responder. Olhei o tamanho do meu erro. – Você já era uma Caine. Você será caçada até a morte pela Camarilla.
_Eu agora sou da segunda geração. – Olhei para ela, com o olhar suplicante de “me desperte desse pesadelo”.
_Você também sugou a alma?! – Perguntou ela, boquiaberta.
_Sim.
 Ela começou a andar de um lado para o outro, me levantei e respirei fundo e tentei reorganizar os pensamentos. Eu matei dois Tremere, um da primeira e outro da segunda geração. Eu estava na quarta, suguei seu sangue e sua alma. Subi duas estacas. Isso era um ato condenado pela Camarilla. Não controlei minha besta.
 Cai de joelhos e comecei a chorar de desespero. Zarah me levantou e deu um abraço. “Vai ficar tudo bem... Vai ficar tudo bem!”- Pensou ela, suavemente para que eu ouvisse.
 Sitael ficou de cabeça baixa, pensativo.

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